Quando romances e biografias se transformam em convites para ver o mundo
Eles não traçam roteiros. Nem sugerem restaurantes ou hotéis. Mas desafio você, leitor, a conferir alguns dos romances abaixo e não se sentir tomado pelo desejo ou interesse de conhecer os cenários e as histórias descritas por eles. Como, é claro, acontece com filmes e séries de TV.
Mas hoje o tema aqui são livros. Da casa em que Trotsky foi assassinado, na Cidade do México, ao prédio em que a talentosa escultora Camille Claudel viveu, na Île Saint Louis, em Paris. Do arquipélago chileno de Chiloé, que nos é revelado por Isabel Allende, a Aracataca, cidade em que nasceu Gabriel García Marquez. E que tal conhecer São Tomé e Príncipe, através do texto de Miguel Sousa Tavares?
Confira se as sugestões a seguir fazem com que a literatura se transforme em convites de viagem para você.
1) “O homem que amava os cachorros”, Leonardo Padura
Claro que eu tinha planos de conhecer o México. Mas o país entrou na minha lista de viagem-já, quando li “O homem que amava os cachorros”, do cubano Leonardo Padura. O livro conta toda a trama que envolveu o assassinato de León Trotsky, um dos fundadores do Exército soviético. E culmina na descrição da casa onde aconteceu o atentado que o matou, na Cidade do México – conhecer o lugar virou um objetivo.
Localizada no bairro de Coyoacán, a 11 quilômetros do centro histórico da capital, a casa é hoje o Museo Casa León Trotsky. E, quase 80 anos depois da morte do revolucionário, ocorrida em 1940, vemos tudo lá: portas de ferro que protegiam o quarto de dormir de Trotsky e sua mulher, paredes cravejadas de balas, pertences originais do casal em quartos, banheiro e cozinha. Tudo muito simples. Como convinha a um homem que, por anos, viveu sendo caçado.
Já tinha terminado a visita, quando o terremoto de setembro de 2017 na Cidade do México, me fez correr para a rua e, em dois dias, deixar um país que ficara paralisado. É preciso voltar.
2) “O caderno de Maya”, Isabel Allende
Eram muitas imagens diferentes e curiosas que surgiam, enquanto eu lia “O caderno de Maya”, de Isabel Allende. A protagonista, uma jovem americana, filha de chilenos perseguidos pela ditadura Pinochet, é mandada para a terra dos pais para se livrar das drogas e de traficantes. Mais precisamente para Chiloé, arquipélago no sul do Chile, onde Maya encontra um mundo que nunca pensou existir. Parte dele, diz ela, é “coisa única”.
Mais: Maya define o país como um lugar “onde o mar come a terra aos pouquinhos e o continente sul-americano se desmancha em ilhas”. E mostra toda sua admiração pela natureza, lendas e costumes de Chiloé. Destaca as palafitas da capital, Castro; as casinhas de boneca demarcando túmulos no cemitério; as casas puxadas por barcos de uma ilha para outra, entre cenas que não sosseguei até conseguir obter uma boa foto delas.
Esqueça o Atacama, as geleiras da Patagônia, os Andes… Chiloé nos apresenta um outro cenário surpreendente. Parece um continente no nascedouro. Não à toa, é Patrimônio Agrícola Mundial, pela FAO/ONU. E está lá, inteirinha, no “Caderno de Maya”.
3) “Camille Claudel – Criação e loucura”, Liliana Liviano Wahba
Avenida Bourbon, número 19, Île de Saint Louis, Paris. Não me bastou ver, uma vez, a fachada do imóvel em que a escultora Camille Claudel morou e trabalhou por 14 anos, na virada do século XIX. Assim, voltei ao lugar numa segunda viagem. Pude, então, entrar no pátio interno do prédio e observar porta e janelas do studio térreo, que ela ocupara. Lá fora, na fachada da edificação, de frente para o Sena, está a placa que diz:
“Camille Claudel viveu e trabalhou neste imóvel, no térreo, de 1899 a 1913. Nessa data, acabou sua breve carreira de artista e começou sua longa noite de internação”. Camille saiu dali levada para um manicômio, onde ficaria pelos 30 anos seguintes, até morrer.
Mais uma “viagem” que a literatura me proporcionou: a da trágica história da talentosa e criativa escultora, que viveu atormentada pelo amor a Auguste Rodin e pela opressão de uma sociedade machista incapaz de reconhecer seu talento em vida.
4) “Cem anos de solidão”, Gabriel García Márquez
À pequena cidade de Aracataca, no norte da Colômbia, ainda não fui. Vou, logo, logo. Mas, em pensamento, assim como muitos leitores de “Cem anos de solidão”, estive mil vezes na fictícia Macondo, cenário da obra-prima de Gabriel García Márquez.
Por isso preciso ir a Aracataca, onde Gabo nasceu e viveu até os 8 anos, e a partir de onde ele teria imaginado Macondo. Tem quem diga que elementos-chave de Macondo são encontrados também em outros vilarejos da região. Mas estão lá a estação de trem e a casa onde o escritor morou e virou museu.
Na verdade, não espero encontrar registros extraordinários na cidadezinha empoeirada do interior colombiano. Exceto o espírito de Macondo, o que, pra mim, já terá sido suficiente.
5) “Equador”, Miguel Sousa Tavares
O calor enlouquecedor da então colônia portuguesa São Tomé, descrito por Miguel Sousa Tavares em “Equador”, não deveria chamar muita atenção de uma carioca. Mesmo assim, toda vez que penso em São Tomé e Príncipe, pequeno país insular da África Ocidental, me lembro vividamente da sensação sufocante por que passou o protagonista do livro, Luís Bernardo, ao chegar àquelas terras, no início do século XX, para governá-las.
Mas os relatos de Sousa Tavares sobre o clima local é apenas um dos fatores que fizeram “Equador” entrar na minha lista de prioridades. Até porque, o país _ independente de Portugal desde 1975 _ expõe características de um Brasil que quase não existe mais: tanto em sua arquitetura, como em sua gente e natureza.
Segundo naturalistas, aliás, São Tomé e Príncipe, que há seis anos foi designado Reserva da Biosfera da Unesco, é uma espécie de Galápagos da África. O país integrou a lista de 2018 de 52 países aonde ir, produzida pelo New York Times (52 Places do Go), e o livro foi traduzido para mais de dez línguas.
Legal Léa! Só não li o da Camile, mas só viajei na páginas dos outros quatro livros…
agora que vi. o meu da camille sumiu. se tivesse, te emprestava. beijo